quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Simbologia


Que a Mensagem se situa no plano dos símbolos, parece não haver dúvidas se atentar­mos na epígrafe à obra de inspiração esotérica: Benedictus Dominus Deus noster qui dedit nobis signum («Bendito Deus Nosso Senhor que nos deu o Sinal»). Certa é, pois, a importância que Pessoa consagra aos símbolos (esotéricos ou não), desde logo atestada no título de uma das divi­sões da Terceira Parte da obra. Cinco são os poemas que aí receberam o nome genérico de «Os Símbolos». Cinco é o número do despertar da consciência adorme­cida e da reinvenção do dia claro, tópicos que inspiram largamente o conteúdo do segundo dos símbolos – o Quinto Império:

Note que a ligação de D. Sebastião, o pri­meiro dos símbolos, ao Quinto Império se faz através do sonho: «É o que me sonhei que eterno dura,/ É Esse que regressarei.». É ainda pela virtude do sonho que este D. Sebastião sacralizado, alma do futuro de Portu­gal e profeta que a si próprio se anuncia, se faz Desejado, no terceiro dos símbolos. O sonho torna-se esperança e refugia-se nas ilhas afortunadas, símbolo da felicidade adiada, onde «o Rei mora esperando» e donde regressará como o Encoberto, o quinto dos símbolos.

Mas Cinco é, igualmente, o despertar do centro, dos quatro elementos que compõem o universo:

D. Sebastião – a água (ou a alma);

Quinto Império – o fogo (ou o espírito);

O Desejado – o ar (a mente, a revelação);

As ilhas Afortunadas – a terra (a materialidade, a protecção).


O quinto dos símbolos – o Encoberto ­representa a harmonia, a perfeição com que esses elementos se conjugam no universo sonhado.


Símbolos são, ainda, todos os heróis que a obra celebra, transfigurados em almas do Portugal futuro que enigmaticamente pre­nunciam.

Estrutura Tripartida


Estrutura Tripartida da Mensagem:

                * Nascimento;

                *Vida;

                *Morte/Renascmento.

Os 44 poemas que constituem a Mensagem encontram-se agrupados em três partes.

 

                               Primeira Parte – Brasão (os construtores do Império): corresponde ao nascimento, com referência aos mitos e figuras histórias até D.Sebastião, identificadas nos elementos dos brasões. Dá-nos conta do Portugal erguido pelo esforço e destino a grandes feitos.

 

 

O “Ulisses” – símbolo da renovação dos mitos: Ulisses de facto não existiu mas bastou a sua lenda para nos inspirar. A lenda, ao penetrar na realidade, faz o milagre de tornar a vida “cá em baixo” insignificante. É irrelevante que as figuras de quem o poeta se vai ocupar tenham tido ou não existência histórica. O que importa é o que elas representam. Daí serem figuras incorpóreas, que servem para ilustrar o ideal de ser português.

O “D.Dinis” – símbolo da importância da poesia na construção do Mundo: Pessoa vê D.Dinis como o rei capaz de antever o futuro e interpreta isso através das suas ações – ele plantou o pinhal de Leiria, de onde foi retirada a madeira para as caravelas e falou da “voz da terra ansiando pelo mar”, ou seja, do desejo de que a aventura ultrapasse a mediocridade.

O “D. Sebastião, rei de Portugal” – símbolo da loucura audaciosa e aventureira: o Homem sem a loucura não é nada; é simplesmente uma besta que nasce, procria e morre, sem viver! Ora, D.Sebastião, apesar de ter falhado o empreendimento épico, foi em frente, e morreu por uma ideia grandeza, e essa é a ideia que deve persistir, mesmo após a sua morte.

 

 

                               Segunda Parte – Mar Português (o sonho marítimo e a obra das descobertas): surge a realização e vida; refere personalidade e acontecimentos dos descobrimentos que exigiram uma luta contra o desconhecido e os elementos naturais. Mas porque tudo vale a pena, a missão foi cumprida.

 

 

O  O Infante” – símbolo do Homem universal, que realiza o sonho por vontade divina: ele reúne todas as qualidades, virtudes e valores para ser o intermediário entre os homens e Deus.

O “Mar Português” – símbolo do sofrimento porque passaram todos os portugueses: a construção de uma supra-nação, de uma Nação mítica implica o sacrifício do povo.

O “O Mostrengo” – símbolo dos obstáculos, dos perigos e dos medos que os portugueses tiveram que enfrentar para realizar o seu sonho: revoltado por alguém usurpar os seus domínios, “O Mostrengo” é uma alegoria do medo, que tenta impedir os portugueses de completarem o seu destino.

 

 

 

                               Terceira Parte – O Encoberto (a imagem do Império moribundo, a fé de que a morte contenha em si o gérmen da ressurreição, capaz de provocar o nascimento do império espiritual, moral e civilizacional na diáspora lusíada. A esperança do Quinto Império): aparece a desintegração , havendo, por isso, um presente de sofrimento e mágoa, pois falta cumprir-se Portugal. É preciso acontecer a regeneração que será anunciada por símbolos e avisos.

 

 

O “O Quinto Império” – símbolo da inquietação necessária ao progresso, assim como o sonho: não se pode ficar sentado à espera que as coisas aconteçam; há que ser ousado, curioso, corajoso e aventureiro; há que estar inquieto e contente com o que se tem e o que se é. O Quinto Império de Pessoa é a mística certeza do vir a ser pela lição do ter sido, o Portugal-espirito, ente de cultura e esperança, tanto mais forte quanto a hora da decadência a estimula.

O “Nevoeiro” – símbolo da nossa confusão, do estado caótico em que nos encontramos, tanto como um Estado, como emocionalmente, mentalmente, etc.: algo ficou consubstanciado, pois temos o desejo de voltarmos a ser o que éramos.

 

·         A Mensagem recorre ao ocultismo para criar o herói – O Encoberto – que se apresenta como D.Sebastião. Remete par aum sentimento de mistério, indecifrável para  a maioria dos mortais. Daí que só o detentor do privilégio, esotérico se encontra legitimado para realizar o sonho do Quinto Império.

·         O ocultismo:

o   Três espaços: histórico, mítico e mítico.

o   A ordem espiritual no Homem, no Universo e em Deus.

o   Poder, inteligência e amor na figura de D.Sebastião.

Género Epico-lirico


A obra de Fernando Pessoa Mensagem que, dando continuidade à poesia épica, pois «é marcada por um tom messiânico, a profetizar a renovada grandeza da pátria, mediante a instauração do Quinto Império» (p. 311), vai destacar-se também como criação poética que é expressão da subjetividade do sujeito poético, evidenciando marcas do texto lírico.

Como apresenta características desses dois géneros/modos literários, é atribuída à Mensagem o estatuto de texto épico-lírico. Citando Jacinto do Prado Coelho (Dicionário de Literatura), «a poesia da Mensagem é uma poesia épica sui generis, melhor diríamos epo-lírica, não só pela forma fragmentária como pela atitude introspectiva, de contemplação no espelho da alma, e pelo tom menor adequado. […] Dum modo geral interioriza, mentaliza a matéria épica, integrando-a na corrente subjectiva, reduzindo essa matéria a imagens simbólicas pelas quais o poeta liricamente se exprime. Há assim na Mensagem uma dupla face de tédio e ansiedade, de céptica lucidez e intuição divinatória.»

Tanto o texto épico com o texto épico-lírico têm sido aqui tratados, tendo como referência Os Lusíadas, de Camões, eMensagem, de Fernando Pessoa, porque estas são as obras nacionais mais representativas desses dois textos. De qualquer forma, importa ter sempre em conta que o texto lírico se caracteriza como a forma literária centrada na subjectividade, como «modalidade de expressão que escapa aos preceitos da imitação» (p. 78), o que o distingue da poesia épica ou narrativa, pois enquanto a poesia épica ou narrativa «se centra na terceira pessoa e na função referencial», o lirismo define-se, antiteticamente, pela presença dominante da primeira pessoa do presente e pela consequente hegemonia da função emotiva e da carga patética que ela envolve.» (p.80)


Mas, apesar de lírico e épico serem definidos como textos antitéticos, a Mensagem provou que é possível criar uma obra que contenha as duas formas literárias, sabendo conciliar a matéria épica de exaltação de um passado heróico com a expressão lírica da atitude intencionalmente introspectiva, evidenciando-se como texto poético épico-lírico.