terça-feira, 1 de abril de 2014

"Os Maias" - Ação

N' Os Maias podemos distinguir dois níveis de ação: - a crónica de costumes - ação aberta; - a intriga - ação fechada, que se divide em intriga principal e intriga secundária. São, aliás, estes dois níveis de ação, que justificam a existência de título e subtítulo nesta obra. O título - Os Maias - corresponde à intriga, enquanto o subtítulo - Episódios da Vida Romântica - corresponde à crónica de costumes.

Na intriga secundária temos: A história de Afonso da Maia - época de reação do Liberalismo ao Absolutismo; a história de Pedro da Maia e Maria Monforte - época de instauração do Liberalismo e consequentes contradições internas; a história da infância e juventude de Carlos da Maia - época de decadência das experiências Liberais.


Na intriga principal: São retratados os amores incestuosos de Carlos e Maria Eduarda que terminam com a desagregação da família - morte de Afonso e separação de Carlos e Maria Eduarda. Carlos é o protagonista da intriga principal. Teve uma educação à inglesa e tirou o curso de medicina em Coimbra. A educação de Maria Eduarda foi completamente diferente, donde se conclui que a sua paixão não foi condicionada pela educação, nem pela hereditariedade, nem pelo meio. A sua ligação amorosa foi comandada à distância por uma entidade que se denomina destino. A ação principal d' Os Maias, desenvolve-se segundo os moldes da tragédia clássica - peripécia, reconhecimento e catástrofe. A peripécia verificou-se com as revelações casuais de Guimarães a Ega sobre a identidade de Maria Eduarda; o reconhecimento, acarretado pelas revelações de Guimarães, torna a relação entre Carlos e Maria Eduarda uma relação incestuosa, provocando a catástrofe consumada pela morte do avô e a separação definitiva dos dois amantes. Que a intriga era trágica, já o vinham anunciando inúmeros presságios de desgraça. Pedro da Maia recebeu uma educação à portuguesa com imposição de uma devoção religiosa punitiva, fuga ao contacto direto com a natureza e o mundo prático. Quando Maria Monforte aparece em Lisboa, atrai-o como um íman; o casamento fez-se contra a vontade do pai de Pedro. Quando esta foge com Tancredo, Pedro acaba com a sua vida. O destino desta personagem foi totalmente condicionado pelos fatores naturalistas: a hereditariedade - mãe, e educação, ao contrário dos seus filhos, que não são influenciados por estes fatores naturalistas.

– AS PERSONAGENS

 As personagens intervenientes na ação de "Os Maias" são cerca de 60. É, portanto, impossível e desnecessário fazer a análise de todas elas. Cingimo-nos às personagens principais e algumas personagens planas ou tipo que consideramos importantes para o desenrolar da ação.

- Personagens Centrais:

Afonso da Maia | Pedro da Maia | Carlos da Maia | Maria Eduarda | Maria Monforte

Afonso da Maia

Caracterização Física: Afonso era baixo, maciço, de ombros quadrados e fortes. A sua cara larga, o nariz aquilino e a pele corada. O cabelo era branco, muito curto e a barba branca e comprida. Como dizia Carlos: "lembrava um varão esforçado das idas heróicas, um D. Duarte Meneses ou um Afonso de Albuquerque".  

Caracterização Psicológica: Provavelmente o personagem mais simpático do romance e aquele que o autor mais valorizou. Não se lhe conhecem defeitos. É um homem de carácter culto e requintado nos gostos. Enquanto jovem adere aos ideais do Liberalismo e é obrigado, pelo seu pai, a sair de casa; instala-se em Inglaterra mas, falecido o pai, regressa a Lisboa para casar com Maria Eduarda Runa. Dedica a sua vida ao neto Carlos. Já velho passa o tempo em conversas com os amigos, lendo com o seu gato – Reverendo Bonifácio – aos pés, opinando sobre a necessidade de renovação do país. É generoso para com os amigos e os necessitados. Ama a natureza e o que é pobre e fraco. Tem altos e firmes princípios morais. Morre de uma apoplexia, quando descobre os amores incestuosos dos seus netos. É o símbolo do velho Portugal que contrasta com o novo Portugal – o da Regeneração – cheio de defeitos. É o sonho de um Portugal impossível por falta de homens capazes.  

Pedro da Maia

Caracterização Física: Era pequenino, face oval de "um trigueiro cálido", olhos belos – "assemelhavam-no a um belo árabe". Valentia física.
Caracterização Psicológica: Pedro da Maia apresentava um temperamento nervoso, fraco e de grande instabilidade emocional. Tinha assiduamente crises de "melancolia negra que o traziam dias e dias, murcho, amarelo, com as olheiras fundas e já velho". O autor dá grande importância à vinculação desta personagem ao ramo familiar dos Runa e à sua semelhança psicológica com estes. Pedro é vítima do meio baixo lisboeta e de uma educação retrograda. O seu único sentimento vivo e intenso fora a paixão pela mãe. Apesar da robustez física é de uma enorme cobardia moral (como demonstra a reação do suicídio face à fuga da mulher). Falha no casamento e falha como homem.

Carlos da Maia

Caracterização Física: Carlos era um belo e magnífico rapaz. Era alto, bem constituído, de ombros largos, olhos negros, pele branca, cabelos negros e ondulados. Tinha barba fina, castanha escura, pequena e aguçada no queixo. O bigode era arqueado aos cantos da boca. Com diz Eça, ele tinha uma fisionomia de "belo cavaleiro da Renascença".
Caracterização Psicológica: Carlos era culto, bem educado, de gostos requintados. Ao contrário do seu pai, é fruto de uma educação à Inglesa. É corajoso e frontal. Amigo do seu amigo e generoso. Destaca-se na sua personalidade o cosmopolitismo, a sensualidade, o gosto pelo luxo, e diletantismo (incapacidade de se fixar num projeto sério). Todavia, apesar da educação, Carlos fracassou. Não foi devido a esta mas falhou, em parte, por causa do meio onde se instalou – uma sociedade parasita, ociosa, fútil e sem estímulos e também devido a aspetos hereditários – a fraqueza e a cobardia do pai, o egoísmo, o futilidade e o espírito boémio da mãe. Eça quis personificar em Carlos a idade da sua juventude, a que fez a questão Coimbrã e as Conferências do Casino e que acabou no grupo dos Vencidos da Vida, de que Carlos é um bom exemplo.

Maria Monforte

Caracterização Física: É extremamente bela e sensual. Tinha os cabelos loiros, "a testa curta e clássica, o colo ebúrneo".

Caracterização Psicológica: É vítima da literatura romântica e daqui deriva o seu carácter pobre, excêntrico e excessivo. Costumavam chamar-lhe negreira porque o seu pai levara, noutros tempos, cargas de negros para o Brasil, Havana e Nova Orleans. Apaixonou-se por Pedro e casou com ele. Desse casamento nasceram dois filhos. Mais tarde foge com o napolitano, Tancredo, levando consigo a filha, Maria Eduarda, e abandonando o marido e o filho - Carlos Eduardo. Leviana e imoral, é, em parte, a culpada de todas as desgraças da família Maia. Fê-lo por amor, não por maldade. Morto Tancredo, num duelo, leva uma vida dissipada e morre quase na miséria. Publicado em http://portugues11ano.blogspot.com por António Alves Pág. 6Deixa um cofre a um conhecido português - o democrata Guimarães - com documentos que poderiam identificar a filha a quem nunca revelou as origens.  

Maria Eduarda
Maria Eduarda era uma bela mulher: alta, loira, bem feita, sensual mas delicada, "com um passo soberano de deusa".  

- Personagens Planas e/ou Tipo: João da Ega | Eusébiozinho | Alencar | Conde de Gouvarinho | Sousa Neto Palma Cavalão | Dâmaso Salcede | Steinbroken | Cohen | Craft Condessa de Gouvarinho | Cruges | Tancredo | Sr. Guimarães | Rufino

João da Ega

Caracterização Física: Ega usava "um vidro entalado no olho", tinha "nariz adunco, pescoço esganiçado, punhos tísicos, pernas de cegonha". Era o autêntico retrato de Eça.
Caracterização Psicológica: João da Ega é a projeção literária de Eça de Queirós. É um personagem contraditório. Por um lado, romântico e sentimental, por outro, progressista e crítico, sarcástico do Portugal Constitucional. Era o Mefistófeles de Celorico. Amigo íntimo de Carlos desde os tempos de Coimbra, onde se formara em Direito (muito lentamente). A mãe era uma rica viúva e beata que vivia ao pé de Celorico de Bastos, com a filha.  Boémio, excêntrico, exagerado, caricatural, anarquista sem Deus e sem moral. É leal com os amigos. Sofre também de diletantismo (concebe grandes projetos literários que nunca chega a executar). Terminado o curso, vem viver para Lisboa e torna-se amigo inseparável de Carlos. Como Carlos, também ele teve a sua grande paixão - Raquel Cohen. Um falhado, corrompido pela sociedade. Encarna a figura defensora dos valores da escola realista por oposição à romântica. Na prática, revela-se em eterno romântico. Nos últimos capítulos ocupa um papel de grande relevo no desenrolar da intriga. É a ele que Guimarães entrega o cofre. É juntamente com ele, que Carlos revela a verdade a Afonso. É ele que diz a verdade a Maria Eduarda e a acompanha quando esta parte para Paris definitivamente.
Eça utiliza dois tipos de caracterização das suas personagens: a caracterização direta e a caracterização indireta. A primeira é usada de forma privilegiada para todas as personagens 
 Destaca-se a heterocaracterização naturalista de Pedro da Maia e a autocaracterização mista de Maria Eduarda. A caracterização indireta é utilizada para a personagem Carlos da Maia, do qual apenas se apresentam, inicialmente, pequenos traços físicos, deixando que as suas ações demonstrem a sua personalidade.  

Eusébiozinho:

Eusébiozinho representa a educação retrógrada portuguesa. Também conhecido por Silveirinha, era o morgado de uma das Silveiras - senhoras ricas e beatas. Amigo de infância de Carlos com quem brincava em Santa Olávia, levando pancada continuamente, e com quem contrastava na educação. Cresceu tísico, molengão, tristonho e corrupto. Casou-se, mas enviuvou cedo. Procurava, para se distrair, bordéis ou aventureiras de ocasião pagas à hora.

Alencar Tomás de Alencar:

Era "muito alto, com uma face encaveirada, olhos encovados, e sob o nariz aquilino, longos, espessos, românticos bigodes grisalhos". Era calvo, em toda a sua pessoa "havia alguma coisa de antiquado, de artificial e de lúgubre". Simboliza o romantismo piegas. O paladino da moral. Eça serve-se desta personagens para construir discussões de escola, entre naturalistas e românticos, numa versão caricatural da Questão Coimbrã. Não tem defeitos e possui um coração grande e generoso. É o poeta do ultra-romantismo.  

Conde de Gouvarinho:

Era ministro e par do Reino. Tinha um bigode encerado e uma pera curta. Era voltado para o passado. Tem lapsos de memória e revela uma enorme falta de cultura. Não compreende a ironia sarcástica de Ega. Representa a incompetência do poder político (principalmente dos altos cargos). Fala de um modo depreciativo das mulheres. Revelar-se-á, mais tarde, um bruto com a sua mulher.
Sousa Neto Deputado, representa os altos funcionários públicos. É inculto, defende a imitação do estrangeiro. Muitas vezes, por falta de cultura, coloca-se à margem das discussões, acatando todas as opiniões alheias, mesmo as mais absurdas.

Palma Cavalão:

Cavalão por alcunha, era baixo, gordo, sem pescoço. É o diretor do jornal "A Corneta do Diabo", cuja redação é um antro de porcaria. Símbolo do Jornalismo de escândalo e corrupto, é um imoral sem qualquer carácter. artigo injurioso contra Carlos por dinheiro, vendendo mais tarde, a tiragem desse número do jornal, uma vez mais por dinheiro. Publica folhetins de baixo nível.

Dâmaso Salcede:

Dâmaso é uma súmula de defeitos. Filho de um agiota, é presumido, cobarde e sem dignidade. É dele a carta anónima a Castro Gomes, que revela o envolvimento de Maria Eduarda com Carlos. É dele também, a notícia contra Carlos n'A Corneta do Diabo. Mesquinho e convencido, provinciano e tacanho, tem uma única preocupação na vida o "chic a valer" Representa o novo riquismo e os vícios da Lisboa da segunda metade do séc. XIX. O seu carácter é tão baixo, que se retracta, a si próprio, como um bêbado, só para evitar bater-se em duelo com Carlos. Era baixo, gordo, "frisado como um noivo de província". Era sobrinho de Guimarães. A ele e ao tio se devem, respetivamente, o início e o fim dos amores de Carlos com Maria Eduarda.  

Steinbroken:

 Retrato do diplomata solene, formal, bacoco, sempre receoso de afirmações políticas comprometedoras. É em tudo um medíocre, contribui para a atmosfera de "gentlemanliness" que se vive no Ramalhete. Ministro da Finlândia, representa o diplomata inútil. É um entusiasta da Inglaterra. É também um grande conhecedor de vinhos.  

Cohen Banqueiro:

Representa as altas finanças. Considera que ainda há gente séria nas camadas dirigentes. É calculista, cínico e embora tenha responsabilidades pelo cargo que desempenha, lava as mãos e afirma alegremente que o país vai direitinho para a banca rota.  

Craft:

É um personagem com pouca importância para o desenrolar da ação, mas que representa a formação britânica, o protótipo do que deve ser um homem. Defende a arte pela arte, a arte como idealização do que há de melhor na natureza. É culto e forte, de hábitos rígidos, "sentindo finamente, pensando com retidão". Inglês rico e boémio, colecionador de brique-a-braque.

Condessa de Gouvarinho:

Cabelos crespos e ruivos, nariz petulante, olhos escuros e brilhantes, bem feita, pele clara, fina e doce; é casada com o conde de Gouvarinho e é filha de um comerciante inglês do Porto. É imoral e sem escrúpulos. Traí o marido, com Carlos, sem qualquer tipo de remorsos. Questões de dinheiro e a mediocridade do conde fazem com que o casal se desentenda. Envolve-se com Carlos e revela-se apaixonada e impetuosa. Carlos deixa-a, acaba por perceber que ela é uma mulher sem qualquer interesse, demasiado fútil. No final, depois de ter levado uma sova do marido, que descobriu a traição, tudo fica bem entre o casal.  

Cruges Maestro e pianista patético:

Era amigo de Carlos e íntimo do Ramalhete. Era demasiado chegado à sua velha mãe. "De grenha crespa que lhe ondulava até à gola do jaquetão", "olhinhos piscos" e nariz espetado. Segundo Eça, "um diabo adoidado, maestro, pianista com uma pontinha de génio". É desmotivado devido ao meio lisboeta - "Se eu fizesse uma boa ópera, quem é que ma representava".

Tancredo:

 É um incidente onde é atingido por um tiro, que o leva até à casa de Maria Monforte. Esta acaba por se apaixonar pelo hóspede, com quem foge, subitamente, levando consigo a filha. Tancredo acabará, mais tarde, por morrer num duelo.  

Sr. Guimarães:

Usava largas barbas e um grande chapéu de abas à moda de 1830. Conheceu a mãe de Maria Eduarda, que lhe confiou um cofre contendo documentos que identificavam a filha. Guimarães é, portanto, o mensageiro da trágica verdade que destruirá a felicidade de Carlos e de Maria Eduarda. Dizia-se o democrata Mesieur Guimaran, que vivia em Paris e era amigo de Gambetta, o comunista. Mas na realidade, vivia miseravelmente num sótão e era redator do "Rapel", para onde traduzia notícias de jornais espanhóis.

Rufino:

"De pera grande, deputado por Monção e sublime nessa arte (...) de arranjar, numa voz de teatro e de papo, combinações sonoras de palavras". De retórica balofa e oca, faz-se ouvir no Sarau Literário do Teatro da Trindade, o que levou Ega a classificá-lo de "besta" e Carlos de "horroroso". A sua poesia demonstra um desfasamento entre a realidade e o discurso, e uma grande falta de originalidade (recorre a lugares comuns), mas apesar disso é muito aclamado pelo público, tocado no seu sentimentalismo.