Luís de Camões, n´Os
Lusíadas, não consegue calar a voz crítica da sua consciência nem a sua emoção.
Então, interrompendo o tom épico, como os bons clássicos de Roma e Grécia, umas
vezes, a sua palavra ganha uma feição didáctica, moral e severamente crítica; outras
vezes, expressa o lamento e o queixume de quem sente amargamente a ingratidão,
ou os desconcertos do mundo.
Na
primeira reflexão d’Os Lusíadas sobre a insegurança da vida, Camões reage à
traição protagonizada por Baco, lamentando-se da personalidade escondida dos
seres humanos. Estabelece um paralelismo entre os perigos encontrados no mar e
em terra, verificando que em nenhum dos ambientes há segurança absoluta. Na
sequência disto, reflecte sobre a posição do ser humano face à natureza, já que
na sua fragilidade e insegurança é capaz de atravessar mares e conquistar
povos, ultrapassando com sucesso os diferentes obstáculos.
A
reflexão sobre a dignidade das Artes e das Letras é um episódio marcadamente
Humanista. Isto é observável noutras partes da obra pela demonstração da
vitória do Homem sobre a Natureza e a vontade de saber e descobrir. No que se
refere a este trecho específico, o Humanismo revela-se pela presença da
componente pedagógica oferecida pelas “artes e letras” e pelo modelo de
perfeição humana que é a capacidade de conjugar os feitos guerreiros com o
conhecimento literário, objectivo conseguido pelos chefes da antiguidade (como
seja o exemplo citado de César).
Camões
alegra-se ao verificar que na Antiguidade sempre houve personagens
protagonistas de feitos heroicos e simultaneamente autores capazes de os cantar
condignamente. Em oposição, lamenta-se do facto de, apesar de os portugueses
terem inúmeros feitos passíveis de serem louvados, não ser prezada a poesia,
tornando-o num povo ignorante. Na sequência disto, caso continue a não haver em
Portugal uma aposta nas artes, nunca ninguém exaltará os feitos dos
portugueses. No entanto, Camões vai continuar a escrever a sua obra, por amor e
gosto à arte de louvar, mesmo sabendo de antemão que o mais provável é não ver
devidamente reconhecidos os seus versos.
No
final do canto VI, Camões apresenta-nos o seu conceito de nobreza, recorrendo
para isso à oposição com o modelo tradicional. Desta forma, o poeta nega a
nobreza como título herdado, manifestada por grandes luxos e ociosidade. Propõe
então, como verdadeiro modelo de nobreza, aquele que advém dos próprios feitos,
enfrentando dificuldades e ultrapassando-as com sucesso. Só assim poderá
superiorizar-se aos restantes homens e ser dignamente considerado herói. O
estatuto será adquirido ao ver os seus feitos reconhecidos por outros e, mesmo
contra a sua vontade, ver-se-á distinguido dos restantes.
Na
reflexão que faz no início do canto VII, Camões faz um elogio ao espírito de
cruzada e critica os que não seguem o exemplo português. Isto porque, para
Camões, a guerra sem pretensões religiosas não faz sentido, visto ser apenas
movida pela ambição da conquista de território. Assim, recorre ao exemplo do
Luteranismo alemão para criticar a oposição ao Papa e às guerras que não seguem
os ideais camonianos. Dirige-se depois aos ingleses, que deixam que os
Muçulmanos tenham sob controlo a cidade de Jerusalém e preocupa-se apenas em
criar a sua nova forma de religião (anglicanismo). Também os franceses, ao
invés de combaterem os infiéis, aliaram-se aos turcos para combater outros
cristãos. Nem os próprios italianos passam impunes, ao ser-lhes criticada a
corrupção. Para incitar à conquista de povos não-cristãos, visto esta causa não
ser suficiente, Camões lembra as riquezas da Ásia Menor e África, incitando
desta forma a expansão. Termina elogiando os portugueses, que se expandiram por
todo o mundotendo como fim primário a divulgação da fé.
Na
segunda reflexão que faz no canto VII, Camões critica os opressores e
exploradores do povo. Começa por uma retrospectiva da sua própria vida, com
etapas como a pobreza, a prisão, o naufrágio, fazendo destas um balanço
negativo. No entanto, para ele a maior desilusão continua a ser o facto de não
vera sua obra devidamente reconhecida. Alerta portanto para o facto de os
escritores vindouros se poderem também sentir desta forma, desencorajando a
escrita e a exaltação dos heróis. Segue depois para uma crítica mais
abrangente, afirmando que não louvará quem se aproxima do Rei tendo como
intentos únicos a fama e o proveito próprio. Não louvará também aqueles que se
inserem nos meios reais de forma a conseguirem poder para explorar o povo.
Termina invejando aqueles que em serviço do Rei foram reconhecidos, já que ele
se sente cansado pela forma como é tratado pelos compatriotas.
No
final do canto VIII, Camões centra a sua reflexão nos efeitos perniciosos do
ouro, constatando que a avidez em que vive o ser humano conduz muitas vezes a
acções irreflectidas, independentemente da posição social. Lista todos os
efeitos do metal precioso, desde traições à corrupção da ciência, ao afirmar
que o ouro pode fazer com que os juízes deem demasiada importância a uma obra
pelo facto de terem sido remunerados para tal.
No
final da obra, Camões lamenta-se do facto de não estar a ser devidamente
reconhecido, já que a sociedade se rege somente pelo dinheiro, decidindo por
isso pôr-lhe termo. Não deixa no entanto de louvar os portugueses e todos os
perigos por eles ultrapassados (definição camoniana de nobreza). Elogiando os
heróis passados, alerta os homens do presente que a vida nobre não passa pelo
ouro, cobiça e ambição. Exorta D. Sebastião a valorizar devidamente aqueles que
pelos seus feitos se puderem considerar nobres. Correspondendo à visão
aristotélica da epopeia, remata com novas proposição e dedicatória e incita o
rei a feitos dignos de serem cantados.