No momento da largada
ergue-se a voz de um respeitável velho que sobressai de entre todas as que se
tinham feito ouvir até então. Ela representa todos aqueles que se opunham à
louca aventura da Índia e preferiam a guerra santa no Norte de África.
Se as falas das mães e
das esposas representam a reacção emocional àquela aventura, o discurso do
velho exprime uma posição racional, fruto de bom senso da experiência (“tais
palavras tirou do experto peito”) e do sentido das vozes anónimas ligadas
ao cultivo da terra, sobretudo no norte do país, defensoras de uma política de
fixação oposta a uma política de expansão com adeptos mais a sul.
E assim, o Gama que
representa este homem sempre insatisfeito e que está disposto a enfrentar os
mais difíceis obstáculos e a suportar os mais duros sacrifícios para conseguir
o seu objectivo, tinha perfeita consciência da lógica, da verdade e sensatez
das palavras do Velho do Restelo, da condenação moral da empresa mas não lhe
podia dar ouvidos porque levava dentro de si um incentivo maior e mais forte,
um dever a cumprir imposto pelo rei e pela pátria e até um imperativo ético e
psicológico.
No entanto, as
palavras pessimistas do velho acabam por evidenciar o heroísmo daquele punhado
de homens tanto maior quanto mais consciente. O Velho do Restelo fala como um
poeta humanista que exprime desdém pelo “povo néscio” ou seja, o clássico
horror ao vulgo.
Há portanto uma
contradição entre o discurso pacifista do velho e a épica exaltação dos heróis
e seus feitos de armas. A personagem seria um porta-voz da ideologia
característica da formação humorística de Camões.
O Velho do Restelo é o
próprio Camões erguendo-se acima do encadeamento histórico e medindo à luz os
valores do humanismo. Ele é o humanista que torna a palavra, humanista para
quem os acontecimentos que lhe servem de tema constituem apenas o material para
um poema e que reserva constantemente a sua liberdade de juízo.